Naquela tarde ensolarada de
inverno, o Miguel e a Ana foram à aldeia visitar os avós.
A
aldeia ficava na encosta da serra. Ao longe, da estrada, vislumbravam o casario
antigo, em socalcos, e os seus telhados de xisto preto, aquecidos pelos tímidos
raios de sol. O rio de águas cristalinas corria calmamente entre os campos. A
velha ponte que dava acesso à aldeia, imponente, dava as boas-vindas a quem
chegava.
Na aldeia como era habitual o
ambiente era calmo, mas na casa do avô Manuel e da avó Margarida estava numa
grande azáfama. A avó decidira fazer os bolos preferidos dos netos, por isso na
cozinha ouvia-se o tilintar dos tachos, o som da batedeira, e sentia-se um
delicioso cheiro a chocolate.
Quando o carro parou, Miguel e Ana correram ao encontro dos
avós que não contendo a sua alegria fizeram a dança do festejo com os
netos. Uma mescla de fortnite dance com macarena, enquanto cantam «Bom
dia, bom dia para toda a gente, que bela visita, por isso estamos contentes!». A
dança terminava sempre do mesmo modo: muitos gritos de alegria, gargalhadas
sonoras e abraços carinhosos.
O
avô Manuel era o homem da música. Quando pegava na viola era festa garantida!
Que bom que era quando se sentavam todos à lareira a cantarem enquanto o avô
dedilhava músicas de outrora. A avó Margarida era também muito prendada. Tinha
umas mãos de fada, pois fazia rendas e trabalhos manuais como ninguém.
− Que bom, ter-vos aqui,
novamente! − disse o avô Manuel cujos olhos irradiavam amor.
− Venham! Estou a fazer uns
bolinhos. – disse a avó Margarida abraçando a Ana.
− Então e nós? – perguntaram em
uníssono os pais das crianças.
− Vocês?! – disse o avô Manuel
piscando um olho à avó Margarida – Vocês são uns queridos e gostamos muito de
vocês, mas têm o dia livre para passear. Vão! Nós tomamos conta das crianças.
Não se preocupem.
Os pais das crianças entreolharam-se
e sorriram. Sabiam que mal partissem, uma estrondosa algazarra explodiria
naquela casa. O avô Manuel e a avó Margarida deixavam-se sempre contagiar pela
alegria dos netos e as brincadeiras eram uma animação.
Partiram, sabendo que no regresso a
casa, os filhos contariam as suas peripécias e que não conseguiriam conter as
gargalhadas.
− Bom, agora que estamos finalmente
sós… vamos para a cozinha? – propôs a avó.
− Sim! – exclamaram as crianças que
se dirigiram para lá correndo.
O ambiente na cozinha era realmente acolhedor. Havia uma explosão de cores
e cheiros, pois a avó adorava louça colorida e ervas aromáticas. No canto da cozinha havia um forno a lenha, onde a avó
colocava broa de milho e pão a cozer. Não havia ninguém que fizesse broa de
milho tão boa como a avó. O fogão a lenha era majestoso e, por cima dele, havia
uma grande chaminé, completamente chamuscada com o passar dos anos. Quantas
vezes o Pai Natal não teria sujado o fato vermelho, ao escorregar pela chaminé
abaixo? Foi esta a pergunta que os meninos fizeram durante anos, porque a
lareira da sala era muito estreita e seria impossível alguém mais gordinho
descer por ali.
− Ana, passas-me esses ovos? –
pediu a avó.
− Claro, avó!
− Avô, a propósito de ovos… Esta
semana li, na escola, um texto do livro O Rapaz que vivia na Televisão
e Outras histórias da Luísa Ducla Soares.
− Era uma história bonita,
interessante? – perguntou o avô, enquanto sorrateiramente comia um pouco da
massa do bolo de chocolate que com um dedo surripiara da taça.
− A história fala de um rapaz que
resolveu procurar trabalho na cidade.
− Pois, nos ambientes citadinos há
mais oportunidades de emprego, dado que há mais indústrias, comércios,
serviços… Nas aldeias, nos meios rurais, temos ar mais puro, uma vida mais
calma, mas os empregos escasseiam.
− Não gostas de viver na aldeia,
avô? – perguntou a Ana.
− Adoro! Adoro sentir este ar que cheira a pinheiro e à erva dos campos.
Adoro ouvir os pássaros a cantar. Adoro a terra batida por entre os campos de milho, os caminhos de
pedra antigos com as marcas do rodado das carroças que havia antigamente. Adoro esta proximidade entre as pessoas! A calma dos dias que correm ao
ritmo das águas do nosso rio. Não trocava isto por
nada!
− Eu também adoro estar aqui. Posso
correr pelos campos, trepar às árvores, brincar com os animais…
− Contas-me essa história? – pediu
a avó docemente.
− Sim. A história conta-nos que um
rapaz decidiu ir trabalhar para a cidade, mas gastou todo o dinheiro. TODO, ao
comprar o bilhete de comboio. Como é natural, enquanto esperava pelo comboio,
sentiu fome e por isso foi pedir ao dono do Café da Estação um ovo cozido para
comer. O senhor Silva entregou-lhe o ovo, mas disse-lhe que o ovo não era dado,
era apenas emprestado.
− Deu-lhe um ovo cozido, para comer … que era
apenas emprestado ??! - disse a avó desconfiada. − Quero
mesmo ouvir o resto da história!
− Bom. O rapaz foi para a cidade, deve ter
ficado por lá umas semanas, meses ou anos… Não sei! Mas depois regressou à
aldeia e a primeira coisa que fez (Penso que foi a primeira coisa que fez!) foi
dirigir-se ao Café da Estação para devolver o ovo ao senhor Silva.
− Um jovem de valor! - comentou o avô, enquanto
espreitava pelo canto do olho o forno, onde a avó momentos antes colocara o
bolo de chocolate.
− Pois, também acho! Mas aqui é que a situação
se complica. O senhor Silva diz ao jovem que ele não lhe deve um ovo, mas sim
TREZE galinhas.
− TREZE galinhas? - gritaram os avós admirados.
− Sim, treze galinhas! TREZE, TREZE! Segundo o
senhor Silva, do ovo que ele emprestara ao jovem poderia ter nascido uma
galinha. Essa poderia ter posto doze ovos dos quais poderiam ter nascido doze
galinhas. Sendo assim, o jovem devia-lhe TREZE galinhas.
− Tens a certeza, disso? Leste bem a história? -
perguntou o avô.
− Claro, avô. Sou muito bom na leitura. A
professora diz que leio bem, sou expressivo ao ler e que tenho uma boa
compreensão leitora.
− Não podias perder uma oportunidade de te
vangloriares! - disse a Ana fazendo-lhe uma carreta bem engraçada.
− Meninos, nada de discussões. - disse a avó
antecipando-se à habitual discussão dos netos. - São ambos maravilhosos,
fantásticos, incríveis! Estou curiosa. Qual é o desfecho dessa história?
Miguel ainda olhou de soslaio para
a irmã que fingiu não ver o seu olhar. Ana sabia que outras oportunidades para
brincar com o irmão surgiriam.
−
O jovem disse ao senhor Silva que lhe pagaria. Depois, pediu-lhe um
pacote de batatas fritas para semear.
Nesse momento, o Miguel, como bom
contador de histórias que era, suspendeu a sua narrativa. Os avós pregaram nele
os olhos ávidos de informação. O rapaz fingiu não se aperceber da ansiedade dos
avós. Olhando pela janela da cozinha, deixou escapar um leve sorriso.
− Miguel! - disseram em uníssono os
avós.
−Como podem imaginar, os fregueses
do café riram-se do jovem. Então, calmamente, ele explicou, que com o
rendimento do batatal pretendia pagar ao senhor Silva, pois se de um ovo cozido
pode nascer um pinto, então também de um saco de batatas fritas pode surgir um
batatal. E assim acabou a história! - disse sorrindo.
Quando o Miguel acabou de contar a
história, o avô olhou para a avó e ambos desataram a rir. Riram-se tanto que o
avô colocou as mãos na generosa barriga. E
como bom brincalhão que era, pegou na viola e da história rocambolesca logo fez
uma canção:
«Não tenho nada para comer
O que vai ser de mim
Gastei todo o dinheiro
E agora é o meu fim!
Um ovo me emprestaram
Para a fome saciar
Quando a dívida fui pagar
Treze galinhas reclamaram!
A galinha põe o ovo
Do ovo nasce a galinha
Se de um ovo nasce um pinto
Imagina com doze ovos!
Vou mas é plantar batatas
Se forem fritas, melhor
Se tudo correr bem
Vou colher um batatal!»
Foi a risota total ao
ouvirem a canção improvisada do avô.
− Um pinto nascer de um ovo cozido?
Semear um saco de batatas fritas? – disse a avó que não conseguia conter os
soluços de tanto rir.
− Pois é. Que disparate! – disse a
Ana – Acho que esse senhor, tem de frequentar as aulas de Estudo do Meio. A
galinha é um animal ovíparo, mas um ovo só pode dar origem a um pinto se não
for cozinhado. Aprendi nas aulas que o ovo forma-se dentro do corpo
da galinha (após o óvulo ser fertilizado pelo galo). Depois acaba por se
desenvolver no exterior do seu corpo. O ovo é chocado com o calor do corpo da
galinha que se coloca sobre ele e, ao fim de aproximadamente vinte e um dias,
nascem os pintainhos. Se cozinhamos o ovo temos um ovo cozido, que é muito
nutritivo, mas não dá origem a pintainhos!
− Também devia frequentar
aulas de Educação Financeira! – disse o Miguel.
− E de ética! Os valores morais
desse senhor são suspeitos. - disse o avô agora com um ar sério que não era
habitual.
− Ética? - perguntou o Miguel.
−
Sim, ética. A ética é o conjunto de valores morais que as pessoas usam
para decidir os comportamentos corretos que devem adotar. – disse o avô.
− Sim. Esse senhor tentou ludibriar
o jovem. Não agiu corretamente. O jovem não pagou o ovo quando o comeu, mas
quando voltou da cidade quis saldar a dívida devolvendo um ovo. O jovem agiu
corretamente, não agiu, avô? - perguntou o neto.
− Sim! Uma vez que não tinha sido
atribuído um preço ao ovo e que o senhor disse «não é dado é emprestado», o
jovem agiu corretamente, querendo devolver um ovo.
− Nos bancos quando uma pessoa pede
um empréstimo bancário (o banco empresta um determinado montante) tem de pagar
juros que é a remuneração do banco. Esse juro tem de ser acordado entre as
partes no momento do empréstimo e tem de ser razoável. – disse a Ana,
fazendo-se valer dos conhecimentos adquiridos nas aulas de Educação Financeira.
− A mim não me pareceu razoável o que
o senhor estava a exigir ao jovem! – disse o Miguel.
− Estou orgulhoso de vocês! – disse
o avô sorrindo – Vocês são jovens inteligentes e com valores morais. Conseguem
avaliar corretamente as situações.
A conversa e as brincadeiras
prolongaram-se durante o resto da manhã. Os
bolos estavam quase prontos e o cheiro a chocolate derretido fazia-se sentir em
toda a cozinha.
− Quem me ajuda a preparar o
almoço? – perguntou a avó Margarida.
− Todos! Venham comigo à horta
apanhar uns legumes fresquinhos para fazer a sopa e uma saladinha! – exclamou o
avô.
Os avós tinham uma horta na qual
podíamos encontrar uma grande variedade de hortícolas. O terreno era enorme, a
perder de vista, e nele podíamos ver uma grande estufa coberta.
− Bem-vindos à minha horta e ao
maravilhoso mundo da horticultura! – disse o avô.
− Horticultura? O que é isso? –
perguntou a Ana.
− Horticultura refere-se à arte de
cultivar hortas e jardins. – explicou o avô. – Aqui na minha horta podem
encontrar um pouco de tudo: cenoura, alho francês, cebola, tomate…
− Não vais estar aqui a dizer tudo
o que tens na horta! Nunca mais acaba a lista e temos o almoço para fazer! –
exclamou a avó rindo.
− Ah! Ah! Ah! – riram-se todos ao
mesmo tempo que entravam na estufa.
− Avô, para que serve uma estufa
como esta? – questionou a Ana.
− As estufas servem para acumular e
conter o calor. Repara que aqui dentro a temperatura é mais alta do que lá
fora. – esclareceu o avô.
Realmente, ali dentro estava muito
calor e Miguel só pensava em como seria bom ir dar um mergulho no rio, mas
estávamos no inverno e não valia a pena apanhar uma constipação.
Apanharam os legumes frescos para o
almoço e ainda tiveram tempo de ir ver os animais da quinta. No galinheiro havia
muitas galinhas, mais do que as treze galinhas do Sr. Silva da história. E
havia também muitos ovos, quase todos do mesmo tamanho. No cubículo ao lado
dormiam os coelhos, os patos grasnavam no charco e os porcos deleitava-se na
pocilga. Ao longe, no pasto, as vacas mugiam e as ovelhas e cabras baliam.
O som dos animais foi interrompido
pelas doze badaladas do sino da aldeia que indicavam a hora de regressar a casa
e tratar do almoço. Na aldeia «não é preciso ter relógios no pulso… basta ouvir
o sino da igreja ou então olhar para a posição do Sol», explicou o avô Manuel.
− Olhar para a posição do Sol?! –
perguntou Miguel admirado.
− Como podemos saber as horas
através da posição do Sol? – questionou também a Ana.
− Então, é simples… Já os nossos
antepassados observavam o Sol e a sombra projetada pelos objetos para medir as
horas. Através de uma vareta presa no chão na posição vertical, eles conseguiam
fazer estimativas das horas. Para isso é importante sabermos também os pontos
cardeais… - explicou o avô ao mesmo tempo que enfiava uma vareta na terra.
− Norte, Sul, Leste, Oeste! –
entoou o Miguel.
− Sabiam que esta técnica de
espetar uma vareta no chão para observar as sombras deu origem ao gnómon e ao
relógio de Sol? – perguntou o avô.
− Gnó.. quê? – perguntou o Miguel a
rir-se.
− Gnómon! É um projetor de sombra
utilizado no relógio de sol. – explicou o avô Manuel.
− Oh avô, como é que sabes tantas
coisas? – perguntou a Ana.
− Ah! Essa resposta é mais fácil…
leio muito… gosto muito de ler livros, enciclopédias. Não há nada melhor que o
cheiro dos livros alinhados na estante da biblioteca! – exclamou o avô.
− Oh avô! Sabes que na Internet
podemos encontrar muita informação? Basta fazeres uma pesquisa no Google e as
respostas aparecem! – explicou a Ana.
− Modernices! Pois eu cá prefiro os
livros! Não há sensação melhor do que folhear um livro, página a página… -
resmungou o avô.
E enquanto debatiam estas questões
pelo caminho, chegaram a casa e foram interrompidos pelo ladrar do cão. Max, um
pastor alemão, descansava no alpendre da casa, ao mesmo tempo que tomava conta
de tudo. Era um bom cão de guarda e um excelente cão pastor, pois o que ele
gostava mesmo era de pastorear o rebanho até à serra.
− Venham! Vamos lá tratar do
almoço! – disse a avó Margarida entusiasmada.
Os bolos estavam prontos e
arrefeciam no beiral da janela. Os avós preparavam o almoço e os meninos
ajudavam a pôr a mesa, dispondo cuidadosamente os pratos e talheres na mesa, os
copos para o sumo de laranja natural, o cestinho com o pão e a broa cozidos no
forno e os guardanapos de pano que cheiravam a sabão. No ar, os cheiros
misturavam-se harmoniosamente e o ambiente era calmo e acolhedor.
− Está pronto! Todos para a mesa! –
chamou a avó.
− Vamos! – gritaram os irmãos ao
mesmo tempo.
− Mas que mesa bem posta! –
exclamou o avô.
− Por onde será que os pais andam?
Nem sabem o que estão a perder! – exclamou o Miguel.
− Não conheces o provérbio «Quem
tarde vier comerá do que trouxer»? – perguntou a Ana a sorrir.
− E também há um que diz «Não deixes para
amanhã o que podes fazer hoje», por isso, vamos lá comer porque já se faz
tarde! – disse o avô.
− «Barriga
vazia não conhece alegria»! – exclamou a avó.
E porque a
fome já apertava, sentaram-se todos à mesa para saborear as iguarias preparadas
pela avó. Quando terminaram de almoçar, sentaram-se à frente da lareira,
enquanto comiam uma fatia de bolo de chocolate e bebiam um chá de erva cidreira
que tinham colhido na horta.
As badaladas do sino marcavam as
três horas da tarde. O avô dormitava, recostado na sua cadeira de baloiço. A
avó fazia tricô e os netos jogavam às cartas e ao dominó. E a tarde foi passando,
serena e bucólica. Ao longe, já o sol se punha no horizonte para dar lugar à
noite e Max, deitado no alpendre, tomava conta de tudo.
O silêncio foi interrompido pelo
som de uma buzina. Eram os pais que acabavam de chegar do passeio. Traziam
frascos de mel, compotas e dois presentes para os avós.
O avô foi surpreendido com um
magnífico cavaquinho, um instrumento originário da região do Minho. Ele que
adorava música tradicional podia agora tocar e cantar a «Laurindinha» como só
ele sabia. Sempre que o avô tocava e cantava havia magia no ar, porque só ele
conseguia contagiar todos com a sua alegria e boa disposição.
A avó foi presenteada com um «lenço
dos namorados», para juntar à vasta coleção de lencinhos que já tinha. Havia
lenços de todos os tamanhos e de todas as cores na sua coleção. Ao abrir a
gaveta para mostrá-los, uma palete de cores irrompeu e deixou os irmãos
boquiabertos. Os lenços tinham corações bordados, pássaros e muitas flores.
Todos tinham versos escritos com um português «cheio de erros», dizia o Miguel,
mas antigamente «era assim que se escrevia», explicava a avó.
− Olha o que está escrito neste: «Bai
carta feliz buando/ Num bico dum passarinho/ Cando bires o meu amor/ Dale um
abraço e um veijinho». – leu o Miguel a rir-se.
− Antigamente estes lencinhos eram
usados pelas moças que estavam em idade de casar – explicou a avó – depois de
bordado, a moça mandava entregar o lenço ao seu amado. Se ele usasse o lenço em
público, significava que aceitava namorar com ela. Se não usasse…
− Se não usasse – interrompeu a Ana
– significava que o amor da moça não iria ser correspondido.
− Exatamente! E os lenços eram
bordados com erros, porque as moças bordavam tal e qual como falavam. A maior
parte delas não tinha conhecimentos da Língua Portuguesa escrita. – explicou a
mãe.
− É «tipo» o que nós fazemos quando
enviamos mensagens no telemóvel. Escrevemos com abreviaturas e «emojis»! –
exclamou o Miguel.
− Pois! É a lei do menor esforço. Simplificam
a escrita, mas depois não há quem entenda a mensagem! – disse o pai que não
gostava nada de receber mensagens do género.
− Antigamente, os marinheiros
transmitiam as mensagens em Código Morse, por meio de intervalos de som ou luz.
Os apitos podiam ser captados por vários aparelhos como o radiotelégrafo e o
telégrafo. – explicou o avô Manuel.
− As coisas que tu sabes, avô!
Benditos livros que tens na biblioteca! – exclamou a Ana.
− Lol… - disse o Miguel enquanto se
ria.
− «Lol»?! Que língua é essa? –
perguntou a avó.
− É «internetês» - afirmou o Miguel
– significa «laughing out loud», ou seja, algo como «rindo muito alto».
− Olha agora… não me digas que para
te rires muito alto é preciso dizeres «lol»? Esta juventude… modernices, é o
que é! - resmungou o avô.
A conversa foi novamente
interrompida pelo sino que estava a dar as oito horas da noite e, portanto,
hora do jantar. Tinha sobrado muita comida do almoço que «não ia para o lixo»,
dizia a avó, ainda para mais quando «havia tanta fome no mundo». O slogan lá em
casa era «no poupar é que está o ganho».
Após um serão muito bem passado em
família, estava na hora de ir para a cama, porque, no dia seguinte, o galo ia
cantar bem cedo, para acordar todos com as galinhas. Afinal, ia haver a feira mensal
na cidade mais próxima e os avós já tinham a mercadoria toda preparada para
vender no mercado.
«Ia ser uma experiência
interessante para os miúdos», assim pensavam os pais e os avós. E no dia
seguinte, às seis da manhã, saíram todos de casa com a carrinha a abarrotar.
Tudo o que os avós semeavam e
colhiam era normalmente para consumo próprio, mas as últimas colheitas tinham
sido tão boas que havia produtos para «dar e vender», como dizia o avô Manuel.
E já que tinham gastado algum dinheiro no plástico novo para a estufa, nada
melhor do que aproveitar a feira mensal para recuperar algum desse valor com a
venda dos produtos.
Na carrinha levavam duzentos quilos
de castanhas cujo preço de venda ao público era de 3€/kg. Se conseguissem
vender todas as castanhas, poderiam obter um rendimento de 600€. Levavam também
duzentos quilos de nozes que pretendiam vender a 4€/kg. Se conseguissem vender
todas as nozes, poderiam obter um rendimento de 800€.
O grande objetivo a atingir era,
assim, vender a totalidade das castanhas e das nozes. A poucos dias do Natal,
certamente iriam conseguir vender tudo. Tinham também para venda legumes e
frutas variados cujo preço por quilo variava. A banca de venda já estava
montada e os produtos organizados e devidamente expostos.
− Avô, achas que vamos conseguir
vender tudo? – perguntou a Ana.
− Tudo, tudo não sei. Mas espero no
final do dia, quando fizer as contas, obter algum lucro com a venda dos
produtos. – disse o avô.
− Lucro? O que é isso? – perguntou
o Miguel.
− O lucro é a quantia que esperamos
obter com a venda dos produtos, depois de descontarmos todos os custos que
tivemos.
− Não estou a perceber. – disse a Ana.
− É fácil de perceber. No fim do
dia, contamos o dinheiro que ganhamos com as vendas, mas a esse total temos de
descontar, por exemplo, o custo da ocupação da banca na feira. Neste caso, por
um dia inteiro, tivemos de pagar pelo espaço 100€. Gastamos também 40€ para
obter uma licença de vendedor ambulante. Depois temos de incluir também o custo
do gasóleo e de outras despesas. – explicou o avô.
− Acho que no final o saldo vai ser
positivo. - afirmou o Miguel.
− Sim… Se o rendimento for superior
à despesa poderemos afirmar que tivemos um saldo positivo, pois assim
conseguimos uma poupança! – disse o avô.
− Uma coisa é certa: se não
tivermos rendimentos não conseguimos pagar as despesas! – exclamou a avó
Margarida.
− Exatamente! Por isso é muito
importante sabermos se determinado bem ou serviço nos faz mesmo falta, ou seja,
devemos saber se determinada despesa é mesmo necessária ou supérflua. As
compras por impulso nunca dão bom resultado! – acrescentou o pai.
− Não devemos correr o risco de
gastarmos mais do que o que temos. Devemos viver de acordo com os nossos meios
para não contrairmos dívidas. – afirmou o avô.
− Há pessoas que para saldarem as dívidas
são obrigadas a recorrer a empréstimos bancários. Os bancos emprestam o
dinheiro, mas as pessoas depois têm de devolver o dinheiro aos poucos. –
explicou a mãe.
− Ah! Mas isso é bom! Eu gosto
quando me emprestam alguma coisa – exclamou a Ana.
− Seria bom se as pessoas não
tivessem de pagar juros. – continuou a mãe.
− Eu sei o que é isso. Já expliquei
ao Miguel quando ele nos contou a história das treze galinhas e do ovo
emprestado. O juro é a compensação financeira do banco por ter emprestado uma
determinada quantia num prazo de tempo. – explicou novamente a Ana.
− Treze galinhas e um ovo
emprestado? Estou curiosa para ouvir essa história. – disse a mãe.
− Eu já emprestei dinheiro na
escola quando os meus amigos se esquecem da carteira, mas nunca lhes cobrei
juros… acho que vou ter de começar a exigir uma compensação como fazem os
bancos! – exclamou o Miguel.
A gargalhada foi geral. Entretanto
os clientes iam chegando e abeiravam-se da banca para verem os produtos. Uns
regateavam o preço, outros estavam mais interessados em perceber a origem e
qualidade dos produtos. «Posso provar uma castanhinha?» perguntavam uns,
«quanto custa o quilo das batatas?», perguntavam outros, mas no final não havia
ninguém que saísse dali sem nada levar.
A banca vestia-se de todas as
cores. Legumes, verduras e frutas e frutos de todas as cores enchiam a vista de
quem por ali passava. Era um autêntico regalo para os olhos poder admirar
aquilo que a Natureza dava. «Não era a mesma coisa que ir ao hipermercado»,
pensava a Ana. Ali tudo tinha um aspeto diferente e tão natural, afinal, «não
havia nas redondezas melhor horta que a dos avós».
O dia chegou ao fim e com ele a
feira. A banca estava praticamente vazia, o que era bom sinal. Arrumaram tudo
na carrinha e regressaram a casa com a sensação de dever cumprido. Os avós
estavam francamente satisfeitos com as vendas, agora só faltava fazer as
contas.
Pela venda da totalidade das
castanhas conseguiram 600€ (200kg x 3€/kg). Pela venda da totalidade das nozes
conseguiram 800€ (200kg x 4€/kg). Pela venda de diferentes legumes e verduras
conseguiram obter mais 600€. Ou seja, no total, conseguiram um rendimento de 2.000€.
A este valor o avô subtraiu todas as despesas apuradas e concluiu que obteve um
lucro de 1.760€ (2.000€ - 100€ relativos à ocupação do espaço - 40€ relativos à
licença de vendedor ambulante - 100€ relativos a outras despesas inerentes à
atividade = 1.760€).
− Boas notícias! Depois de fazer
todas as contas ganhamos 1.760€. – disse o avô.
− Que bom! Já vai dar para pagar os
1.000€ que gastamos no plástico novo da estufa. – disse a avô.
− Mesmo assim ainda sobram 760€. –
afirmou o Miguel.
− Exatamente! Desse valor vamos
ficar com 700€ para nós. Os restantes 60€ vamos dividir por vocês os dois: 30€
para cada um. É a remuneração pelos vossos serviços, pois também ajudaram na
banca.
− E nós? Também ajudamos! – brincou
a mãe.
− Vocês levam uns legumes
fresquinhos para terem em casa, quando forem embora. – disse a avó.
− Ah! Quando é que temos de
regressar? – perguntou a Ana muito aflita.
− Quando as férias terminarem…
daqui a dias celebramos o Natal e passagem de ano aqui, com os avós. Depois
regressamos para o início das aulas.
− Então ainda temos muito tempo!
Viva! – gritou o Miguel.
− Sim, ainda temos muito tempo. –
assegurou a mãe.
− Vamos mas é aproveitar este tempo
em Família, porque férias não há todos os dias e «a vida são dois dias». –
disse o avô com toda a sua sabedoria.
E do alto da sua grande barriga,
segurou o cavaquinho e começou a cantar:
«As saudades que eu já tinha
Dos meus ricos netinhos
Tão alegres quanto eu
Meu Deus como é bom morar
Numa aldeia pequenina
E nesta quinta vista do céu!»
E enquanto o avô Manuel cantava e
todos animava, a avó Margarida preparava o jantar carinhosamente. Como era bom
ter os netos ali em casa e a família toda reunida, na noite de Natal, com a
chegada dos tios e primos que vinham da França à terra por esta altura. Como
era bom ouvir os risos daquelas crianças ecoados por toda a quinta. Como eram
bons os abraços e carinhos trocados entre todos.
Os avós Manuel e Margarida eram o
rosto da sabedoria, um rosto marcado pelas rugas do tempo e queimado pelo Sol
que os via lavrar a terra, anos e anos a fio.
Ali, na quinta dos avós, tudo se
conjugava na perfeição. E quando todos se juntavam, o tempo parecia parar para registar
todas as memórias.
Ali, na aldeia abraçada pela serra,
havia tempo para tudo, para aprender e ensinar, mas sobretudo para aprender a amar.
Aprender a amar a Terra e a valorizar tudo o que a Natureza nos dá.
Esta história está maravilhosa. Criativa, bem escrita, encantadora...
ResponderEliminarEstão todos de parabéns!!
Estamos ansiosos por ver o resultado final..
Pois está
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