quarta-feira, 8 de abril de 2020

Projeto de Educação Financeira - texto




Naquela tarde ensolarada de inverno, o Miguel e a Ana foram à aldeia visitar os avós.      
A aldeia ficava na encosta da serra. Ao longe, da estrada, vislumbravam o casario antigo, em socalcos, e os seus telhados de xisto preto, aquecidos pelos tímidos raios de sol. O rio de águas cristalinas corria calmamente entre os campos. A velha ponte que dava acesso à aldeia, imponente, dava as boas-vindas a quem chegava.
Na aldeia como era habitual o ambiente era calmo, mas na casa do avô Manuel e da avó Margarida estava numa grande azáfama. A avó decidira fazer os bolos preferidos dos netos, por isso na cozinha ouvia-se o tilintar dos tachos, o som da batedeira, e sentia-se um delicioso cheiro a chocolate.
Quando o carro parou, Miguel e Ana correram ao encontro dos avós que não contendo a sua alegria fizeram a dança do festejo com os netos. Uma mescla de fortnite dance com macarena, enquanto cantam «Bom dia, bom dia para toda a gente, que bela visita, por isso estamos contentes!». A dança terminava sempre do mesmo modo: muitos gritos de alegria, gargalhadas sonoras e abraços carinhosos.
O avô Manuel era o homem da música. Quando pegava na viola era festa garantida! Que bom que era quando se sentavam todos à lareira a cantarem enquanto o avô dedilhava músicas de outrora. A avó Margarida era também muito prendada. Tinha umas mãos de fada, pois fazia rendas e trabalhos manuais como ninguém.
− Que bom, ter-vos aqui, novamente! − disse o avô Manuel cujos olhos irradiavam amor.
− Venham! Estou a fazer uns bolinhos. – disse a avó Margarida abraçando a Ana.
− Então e nós? – perguntaram em uníssono os pais das crianças.
− Vocês?! – disse o avô Manuel piscando um olho à avó Margarida – Vocês são uns queridos e gostamos muito de vocês, mas têm o dia livre para passear. Vão! Nós tomamos conta das crianças. Não se preocupem.
Os pais das crianças entreolharam-se e sorriram. Sabiam que mal partissem, uma estrondosa algazarra explodiria naquela casa. O avô Manuel e a avó Margarida deixavam-se sempre contagiar pela alegria dos netos e as brincadeiras eram uma animação. 
Partiram, sabendo que no regresso a casa, os filhos contariam as suas peripécias e que não conseguiriam conter as gargalhadas.
− Bom, agora que estamos finalmente sós… vamos para a cozinha? – propôs a avó.
− Sim! – exclamaram as crianças que se dirigiram para lá correndo.
O ambiente na cozinha era realmente acolhedor. Havia uma explosão de cores e cheiros, pois a avó adorava louça colorida e ervas aromáticas. No canto da cozinha havia um forno a lenha, onde a avó colocava broa de milho e pão a cozer. Não havia ninguém que fizesse broa de milho tão boa como a avó. O fogão a lenha era majestoso e, por cima dele, havia uma grande chaminé, completamente chamuscada com o passar dos anos. Quantas vezes o Pai Natal não teria sujado o fato vermelho, ao escorregar pela chaminé abaixo? Foi esta a pergunta que os meninos fizeram durante anos, porque a lareira da sala era muito estreita e seria impossível alguém mais gordinho descer por ali.
− Ana, passas-me esses ovos? – pediu a avó.
− Claro, avó!
− Avô, a propósito de ovos… Esta semana li, na escola, um texto do livro O Rapaz que vivia na Televisão e Outras histórias da Luísa Ducla Soares.
− Era uma história bonita, interessante? – perguntou o avô, enquanto sorrateiramente comia um pouco da massa do bolo de chocolate que com um dedo surripiara da taça.
− A história fala de um rapaz que resolveu procurar trabalho na cidade.
− Pois, nos ambientes citadinos há mais oportunidades de emprego, dado que há mais indústrias, comércios, serviços… Nas aldeias, nos meios rurais, temos ar mais puro, uma vida mais calma, mas os empregos escasseiam.
− Não gostas de viver na aldeia, avô? – perguntou a Ana.
− Adoro! Adoro sentir este ar que cheira a pinheiro e à erva dos campos. Adoro ouvir os pássaros a cantar. Adoro a terra batida por entre os campos de milho, os caminhos de pedra antigos com as marcas do rodado das carroças que havia antigamente. Adoro esta proximidade entre as pessoas! A calma dos dias que correm ao ritmo das águas do nosso rio. Não trocava isto por nada!
− Eu também adoro estar aqui. Posso correr pelos campos, trepar às árvores, brincar com os animais…
− Contas-me essa história? – pediu a avó docemente.
− Sim. A história conta-nos que um rapaz decidiu ir trabalhar para a cidade, mas gastou todo o dinheiro. TODO, ao comprar o bilhete de comboio. Como é natural, enquanto esperava pelo comboio, sentiu fome e por isso foi pedir ao dono do Café da Estação um ovo cozido para comer. O senhor Silva entregou-lhe o ovo, mas disse-lhe que o ovo não era dado, era apenas emprestado.
 Deu-lhe um ovo cozido, para comer … que era apenas emprestado ??! - disse a avó desconfiada. −   Quero mesmo ouvir o resto da história!
 Bom. O rapaz foi para a cidade, deve ter ficado por lá umas semanas, meses ou anos… Não sei! Mas depois regressou à aldeia e a primeira coisa que fez (Penso que foi a primeira coisa que fez!) foi dirigir-se ao Café da Estação para devolver o ovo ao senhor Silva.
 Um jovem de valor! - comentou o avô, enquanto espreitava pelo canto do olho o forno, onde a avó momentos antes colocara o bolo de chocolate.
 Pois, também acho! Mas aqui é que a situação se complica. O senhor Silva diz ao jovem que ele não lhe deve um ovo, mas sim TREZE galinhas.
 TREZE galinhas? - gritaram os avós admirados.
 Sim, treze galinhas! TREZE, TREZE! Segundo o senhor Silva, do ovo que ele emprestara ao jovem poderia ter nascido uma galinha. Essa poderia ter posto doze ovos dos quais poderiam ter nascido doze galinhas. Sendo assim, o jovem devia-lhe TREZE galinhas.
 Tens a certeza, disso? Leste bem a história? - perguntou o avô.
 Claro, avô. Sou muito bom na leitura. A professora diz que leio bem, sou expressivo ao ler e que tenho uma boa compreensão leitora.
 Não podias perder uma oportunidade de te vangloriares! - disse a Ana fazendo-lhe uma carreta bem engraçada.
 Meninos, nada de discussões. - disse a avó antecipando-se à habitual discussão dos netos. - São ambos maravilhosos, fantásticos, incríveis! Estou curiosa. Qual é o desfecho dessa história?
Miguel ainda olhou de soslaio para a irmã que fingiu não ver o seu olhar. Ana sabia que outras oportunidades para brincar com o irmão surgiriam.
  O jovem disse ao senhor Silva que lhe pagaria. Depois, pediu-lhe um pacote de batatas fritas para semear.
Nesse momento, o Miguel, como bom contador de histórias que era, suspendeu a sua narrativa. Os avós pregaram nele os olhos ávidos de informação. O rapaz fingiu não se aperceber da ansiedade dos avós. Olhando pela janela da cozinha, deixou escapar um leve sorriso.
− Miguel! - disseram em uníssono os avós.
−Como podem imaginar, os fregueses do café riram-se do jovem. Então, calmamente, ele explicou, que com o rendimento do batatal pretendia pagar ao senhor Silva, pois se de um ovo cozido pode nascer um pinto, então também de um saco de batatas fritas pode surgir um batatal. E assim acabou a história! - disse sorrindo.
Quando o Miguel acabou de contar a história, o avô olhou para a avó e ambos desataram a rir. Riram-se tanto que o avô colocou as mãos na generosa barriga. E como bom brincalhão que era, pegou na viola e da história rocambolesca logo fez uma canção:

«Não tenho nada para comer
O que vai ser de mim
Gastei todo o dinheiro
E agora é o meu fim!

Um ovo me emprestaram
Para a fome saciar
Quando a dívida fui pagar
Treze galinhas reclamaram!

A galinha põe o ovo
Do ovo nasce a galinha
Se de um ovo nasce um pinto
Imagina com doze ovos!

Vou mas é plantar batatas
Se forem fritas, melhor
Se tudo correr bem
Vou colher um batatal!»

Foi a risota total ao ouvirem a canção improvisada do avô.
− Um pinto nascer de um ovo cozido? Semear um saco de batatas fritas? – disse a avó que não conseguia conter os soluços de tanto rir.
− Pois é. Que disparate! – disse a Ana – Acho que esse senhor, tem de frequentar as aulas de Estudo do Meio. A galinha é um animal ovíparo, mas um ovo só pode dar origem a um pinto se não for cozinhado. Aprendi nas aulas que o ovo forma-se dentro do corpo da galinha (após o óvulo ser fertilizado pelo galo). Depois acaba por se desenvolver no exterior do seu corpo. O ovo é chocado com o calor do corpo da galinha que se coloca sobre ele e, ao fim de aproximadamente vinte e um dias, nascem os pintainhos. Se cozinhamos o ovo temos um ovo cozido, que é muito nutritivo, mas não dá origem a pintainhos!
           − Também devia frequentar aulas de Educação Financeira! – disse o Miguel.
− E de ética! Os valores morais desse senhor são suspeitos. - disse o avô agora com um ar sério que não era habitual.
 Ética? - perguntou o Miguel.
  Sim, ética. A ética é o conjunto de valores morais que as pessoas usam para decidir os comportamentos corretos que devem adotar. – disse o avô.
− Sim. Esse senhor tentou ludibriar o jovem. Não agiu corretamente. O jovem não pagou o ovo quando o comeu, mas quando voltou da cidade quis saldar a dívida devolvendo um ovo. O jovem agiu corretamente, não agiu, avô? - perguntou o neto.
− Sim! Uma vez que não tinha sido atribuído um preço ao ovo e que o senhor disse «não é dado é emprestado», o jovem agiu corretamente, querendo devolver um ovo.
− Nos bancos quando uma pessoa pede um empréstimo bancário (o banco empresta um determinado montante) tem de pagar juros que é a remuneração do banco. Esse juro tem de ser acordado entre as partes no momento do empréstimo e tem de ser razoável. – disse a Ana, fazendo-se valer dos conhecimentos adquiridos nas aulas de Educação Financeira.
− A mim não me pareceu razoável o que o senhor estava a exigir ao jovem! – disse o Miguel.
− Estou orgulhoso de vocês! – disse o avô sorrindo – Vocês são jovens inteligentes e com valores morais. Conseguem avaliar corretamente as situações.
A conversa e as brincadeiras prolongaram-se durante o resto da manhã. Os bolos estavam quase prontos e o cheiro a chocolate derretido fazia-se sentir em toda a cozinha.
− Quem me ajuda a preparar o almoço? – perguntou a avó Margarida.
− Todos! Venham comigo à horta apanhar uns legumes fresquinhos para fazer a sopa e uma saladinha! – exclamou o avô.
Os avós tinham uma horta na qual podíamos encontrar uma grande variedade de hortícolas. O terreno era enorme, a perder de vista, e nele podíamos ver uma grande estufa coberta.
− Bem-vindos à minha horta e ao maravilhoso mundo da horticultura! – disse o avô.
− Horticultura? O que é isso? – perguntou a Ana.
− Horticultura refere-se à arte de cultivar hortas e jardins. – explicou o avô. – Aqui na minha horta podem encontrar um pouco de tudo: cenoura, alho francês, cebola, tomate…
− Não vais estar aqui a dizer tudo o que tens na horta! Nunca mais acaba a lista e temos o almoço para fazer! – exclamou a avó rindo.
− Ah! Ah! Ah! – riram-se todos ao mesmo tempo que entravam na estufa.
− Avô, para que serve uma estufa como esta? – questionou a Ana.
− As estufas servem para acumular e conter o calor. Repara que aqui dentro a temperatura é mais alta do que lá fora. – esclareceu o avô.
Realmente, ali dentro estava muito calor e Miguel só pensava em como seria bom ir dar um mergulho no rio, mas estávamos no inverno e não valia a pena apanhar uma constipação.
Apanharam os legumes frescos para o almoço e ainda tiveram tempo de ir ver os animais da quinta. No galinheiro havia muitas galinhas, mais do que as treze galinhas do Sr. Silva da história. E havia também muitos ovos, quase todos do mesmo tamanho. No cubículo ao lado dormiam os coelhos, os patos grasnavam no charco e os porcos deleitava-se na pocilga. Ao longe, no pasto, as vacas mugiam e as ovelhas e cabras baliam.
O som dos animais foi interrompido pelas doze badaladas do sino da aldeia que indicavam a hora de regressar a casa e tratar do almoço. Na aldeia «não é preciso ter relógios no pulso… basta ouvir o sino da igreja ou então olhar para a posição do Sol», explicou o avô Manuel.
− Olhar para a posição do Sol?! – perguntou Miguel admirado.
− Como podemos saber as horas através da posição do Sol? – questionou também a Ana.
− Então, é simples… Já os nossos antepassados observavam o Sol e a sombra projetada pelos objetos para medir as horas. Através de uma vareta presa no chão na posição vertical, eles conseguiam fazer estimativas das horas. Para isso é importante sabermos também os pontos cardeais… - explicou o avô ao mesmo tempo que enfiava uma vareta na terra.
− Norte, Sul, Leste, Oeste! – entoou o Miguel.
− Sabiam que esta técnica de espetar uma vareta no chão para observar as sombras deu origem ao gnómon e ao relógio de Sol? – perguntou o avô.
− Gnó.. quê? – perguntou o Miguel a rir-se.
− Gnómon! É um projetor de sombra utilizado no relógio de sol. – explicou o avô Manuel.
− Oh avô, como é que sabes tantas coisas? – perguntou a Ana.
− Ah! Essa resposta é mais fácil… leio muito… gosto muito de ler livros, enciclopédias. Não há nada melhor que o cheiro dos livros alinhados na estante da biblioteca! – exclamou o avô.
− Oh avô! Sabes que na Internet podemos encontrar muita informação? Basta fazeres uma pesquisa no Google e as respostas aparecem! – explicou a Ana.
− Modernices! Pois eu cá prefiro os livros! Não há sensação melhor do que folhear um livro, página a página… - resmungou o avô.
E enquanto debatiam estas questões pelo caminho, chegaram a casa e foram interrompidos pelo ladrar do cão. Max, um pastor alemão, descansava no alpendre da casa, ao mesmo tempo que tomava conta de tudo. Era um bom cão de guarda e um excelente cão pastor, pois o que ele gostava mesmo era de pastorear o rebanho até à serra.
− Venham! Vamos lá tratar do almoço! – disse a avó Margarida entusiasmada.
Os bolos estavam prontos e arrefeciam no beiral da janela. Os avós preparavam o almoço e os meninos ajudavam a pôr a mesa, dispondo cuidadosamente os pratos e talheres na mesa, os copos para o sumo de laranja natural, o cestinho com o pão e a broa cozidos no forno e os guardanapos de pano que cheiravam a sabão. No ar, os cheiros misturavam-se harmoniosamente e o ambiente era calmo e acolhedor.
− Está pronto! Todos para a mesa! – chamou a avó.
− Vamos! – gritaram os irmãos ao mesmo tempo.
− Mas que mesa bem posta! – exclamou o avô.
− Por onde será que os pais andam? Nem sabem o que estão a perder! – exclamou o Miguel.
− Não conheces o provérbio «Quem tarde vier comerá do que trouxer»? – perguntou a Ana a sorrir.
 − E também há um que diz «Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje», por isso, vamos lá comer porque já se faz tarde! – disse o avô.
            − «Barriga vazia não conhece alegria»! – exclamou a avó.
            E porque a fome já apertava, sentaram-se todos à mesa para saborear as iguarias preparadas pela avó. Quando terminaram de almoçar, sentaram-se à frente da lareira, enquanto comiam uma fatia de bolo de chocolate e bebiam um chá de erva cidreira que tinham colhido na horta.
As badaladas do sino marcavam as três horas da tarde. O avô dormitava, recostado na sua cadeira de baloiço. A avó fazia tricô e os netos jogavam às cartas e ao dominó. E a tarde foi passando, serena e bucólica. Ao longe, já o sol se punha no horizonte para dar lugar à noite e Max, deitado no alpendre, tomava conta de tudo.
O silêncio foi interrompido pelo som de uma buzina. Eram os pais que acabavam de chegar do passeio. Traziam frascos de mel, compotas e dois presentes para os avós.
O avô foi surpreendido com um magnífico cavaquinho, um instrumento originário da região do Minho. Ele que adorava música tradicional podia agora tocar e cantar a «Laurindinha» como só ele sabia. Sempre que o avô tocava e cantava havia magia no ar, porque só ele conseguia contagiar todos com a sua alegria e boa disposição.
A avó foi presenteada com um «lenço dos namorados», para juntar à vasta coleção de lencinhos que já tinha. Havia lenços de todos os tamanhos e de todas as cores na sua coleção. Ao abrir a gaveta para mostrá-los, uma palete de cores irrompeu e deixou os irmãos boquiabertos. Os lenços tinham corações bordados, pássaros e muitas flores. Todos tinham versos escritos com um português «cheio de erros», dizia o Miguel, mas antigamente «era assim que se escrevia», explicava a avó.
− Olha o que está escrito neste: «Bai carta feliz buando/ Num bico dum passarinho/ Cando bires o meu amor/ Dale um abraço e um veijinho». – leu o Miguel a rir-se.
− Antigamente estes lencinhos eram usados pelas moças que estavam em idade de casar – explicou a avó – depois de bordado, a moça mandava entregar o lenço ao seu amado. Se ele usasse o lenço em público, significava que aceitava namorar com ela. Se não usasse…
− Se não usasse – interrompeu a Ana – significava que o amor da moça não iria ser correspondido.
− Exatamente! E os lenços eram bordados com erros, porque as moças bordavam tal e qual como falavam. A maior parte delas não tinha conhecimentos da Língua Portuguesa escrita. – explicou a mãe.
− É «tipo» o que nós fazemos quando enviamos mensagens no telemóvel. Escrevemos com abreviaturas e «emojis»! – exclamou o Miguel.
− Pois! É a lei do menor esforço. Simplificam a escrita, mas depois não há quem entenda a mensagem! – disse o pai que não gostava nada de receber mensagens do género.
− Antigamente, os marinheiros transmitiam as mensagens em Código Morse, por meio de intervalos de som ou luz. Os apitos podiam ser captados por vários aparelhos como o radiotelégrafo e o telégrafo. – explicou o avô Manuel.
− As coisas que tu sabes, avô! Benditos livros que tens na biblioteca! – exclamou a Ana.
− Lol… - disse o Miguel enquanto se ria.
− «Lol»?! Que língua é essa? – perguntou a avó.
− É «internetês» - afirmou o Miguel – significa «laughing out loud», ou seja, algo como «rindo muito alto».
− Olha agora… não me digas que para te rires muito alto é preciso dizeres «lol»? Esta juventude… modernices, é o que é! - resmungou o avô.
A conversa foi novamente interrompida pelo sino que estava a dar as oito horas da noite e, portanto, hora do jantar. Tinha sobrado muita comida do almoço que «não ia para o lixo», dizia a avó, ainda para mais quando «havia tanta fome no mundo». O slogan lá em casa era  «no poupar é que está o ganho».
Após um serão muito bem passado em família, estava na hora de ir para a cama, porque, no dia seguinte, o galo ia cantar bem cedo, para acordar todos com as galinhas. Afinal, ia haver a feira mensal na cidade mais próxima e os avós já tinham a mercadoria toda preparada para vender no mercado.
«Ia ser uma experiência interessante para os miúdos», assim pensavam os pais e os avós. E no dia seguinte, às seis da manhã, saíram todos de casa com a carrinha a abarrotar.
Tudo o que os avós semeavam e colhiam era normalmente para consumo próprio, mas as últimas colheitas tinham sido tão boas que havia produtos para «dar e vender», como dizia o avô Manuel. E já que tinham gastado algum dinheiro no plástico novo para a estufa, nada melhor do que aproveitar a feira mensal para recuperar algum desse valor com a venda dos produtos.
Na carrinha levavam duzentos quilos de castanhas cujo preço de venda ao público era de 3€/kg. Se conseguissem vender todas as castanhas, poderiam obter um rendimento de 600€. Levavam também duzentos quilos de nozes que pretendiam vender a 4€/kg. Se conseguissem vender todas as nozes, poderiam obter um rendimento de 800€.
O grande objetivo a atingir era, assim, vender a totalidade das castanhas e das nozes. A poucos dias do Natal, certamente iriam conseguir vender tudo. Tinham também para venda legumes e frutas variados cujo preço por quilo variava. A banca de venda já estava montada e os produtos organizados e devidamente expostos.
− Avô, achas que vamos conseguir vender tudo? – perguntou a Ana.
− Tudo, tudo não sei. Mas espero no final do dia, quando fizer as contas, obter algum lucro com a venda dos produtos. – disse o avô.
− Lucro? O que é isso? – perguntou o Miguel.
− O lucro é a quantia que esperamos obter com a venda dos produtos, depois de descontarmos todos os custos que tivemos.
− Não estou a perceber. – disse a Ana.
− É fácil de perceber. No fim do dia, contamos o dinheiro que ganhamos com as vendas, mas a esse total temos de descontar, por exemplo, o custo da ocupação da banca na feira. Neste caso, por um dia inteiro, tivemos de pagar pelo espaço 100€. Gastamos também 40€ para obter uma licença de vendedor ambulante. Depois temos de incluir também o custo do gasóleo e de outras despesas. – explicou o avô.
− Acho que no final o saldo vai ser positivo. - afirmou o Miguel.
− Sim… Se o rendimento for superior à despesa poderemos afirmar que tivemos um saldo positivo, pois assim conseguimos uma poupança! – disse o avô.
− Uma coisa é certa: se não tivermos rendimentos não conseguimos pagar as despesas! – exclamou a avó Margarida.
− Exatamente! Por isso é muito importante sabermos se determinado bem ou serviço nos faz mesmo falta, ou seja, devemos saber se determinada despesa é mesmo necessária ou supérflua. As compras por impulso nunca dão bom resultado! – acrescentou o pai.
− Não devemos correr o risco de gastarmos mais do que o que temos. Devemos viver de acordo com os nossos meios para não contrairmos dívidas. – afirmou o avô.
− Há pessoas que para saldarem as dívidas são obrigadas a recorrer a empréstimos bancários. Os bancos emprestam o dinheiro, mas as pessoas depois têm de devolver o dinheiro aos poucos. – explicou a mãe.
− Ah! Mas isso é bom! Eu gosto quando me emprestam alguma coisa – exclamou a Ana.
− Seria bom se as pessoas não tivessem de pagar juros. – continuou a mãe.
− Eu sei o que é isso. Já expliquei ao Miguel quando ele nos contou a história das treze galinhas e do ovo emprestado. O juro é a compensação financeira do banco por ter emprestado uma determinada quantia num prazo de tempo. – explicou novamente a Ana.
− Treze galinhas e um ovo emprestado? Estou curiosa para ouvir essa história. – disse a mãe.
− Eu já emprestei dinheiro na escola quando os meus amigos se esquecem da carteira, mas nunca lhes cobrei juros… acho que vou ter de começar a exigir uma compensação como fazem os bancos! – exclamou o Miguel.
A gargalhada foi geral. Entretanto os clientes iam chegando e abeiravam-se da banca para verem os produtos. Uns regateavam o preço, outros estavam mais interessados em perceber a origem e qualidade dos produtos. «Posso provar uma castanhinha?» perguntavam uns, «quanto custa o quilo das batatas?», perguntavam outros, mas no final não havia ninguém que saísse dali sem nada levar.
A banca vestia-se de todas as cores. Legumes, verduras e frutas e frutos de todas as cores enchiam a vista de quem por ali passava. Era um autêntico regalo para os olhos poder admirar aquilo que a Natureza dava. «Não era a mesma coisa que ir ao hipermercado», pensava a Ana. Ali tudo tinha um aspeto diferente e tão natural, afinal, «não havia nas redondezas melhor horta que a dos avós».
O dia chegou ao fim e com ele a feira. A banca estava praticamente vazia, o que era bom sinal. Arrumaram tudo na carrinha e regressaram a casa com a sensação de dever cumprido. Os avós estavam francamente satisfeitos com as vendas, agora só faltava fazer as contas.
Pela venda da totalidade das castanhas conseguiram 600€ (200kg x 3€/kg). Pela venda da totalidade das nozes conseguiram 800€ (200kg x 4€/kg). Pela venda de diferentes legumes e verduras conseguiram obter mais 600€. Ou seja, no total, conseguiram um rendimento de 2.000€. A este valor o avô subtraiu todas as despesas apuradas e concluiu que obteve um lucro de 1.760€ (2.000€ - 100€ relativos à ocupação do espaço - 40€ relativos à licença de vendedor ambulante - 100€ relativos a outras despesas inerentes à atividade = 1.760€).
− Boas notícias! Depois de fazer todas as contas ganhamos 1.760€. – disse o avô.
− Que bom! Já vai dar para pagar os 1.000€ que gastamos no plástico novo da estufa. – disse a avô.
− Mesmo assim ainda sobram 760€. – afirmou o Miguel.
− Exatamente! Desse valor vamos ficar com 700€ para nós. Os restantes 60€ vamos dividir por vocês os dois: 30€ para cada um. É a remuneração pelos vossos serviços, pois também ajudaram na banca.
− E nós? Também ajudamos! – brincou a mãe.
− Vocês levam uns legumes fresquinhos para terem em casa, quando forem embora. – disse a avó.
− Ah! Quando é que temos de regressar? – perguntou a Ana muito aflita.
− Quando as férias terminarem… daqui a dias celebramos o Natal e passagem de ano aqui, com os avós. Depois regressamos para o início das aulas.
− Então ainda temos muito tempo! Viva! – gritou o Miguel.
− Sim, ainda temos muito tempo. – assegurou a mãe.
− Vamos mas é aproveitar este tempo em Família, porque férias não há todos os dias e «a vida são dois dias». – disse o avô com toda a sua sabedoria.
E do alto da sua grande barriga, segurou o cavaquinho e começou a cantar:
«As saudades que eu já tinha
Dos meus ricos netinhos
Tão alegres quanto eu
Meu Deus como é bom morar
Numa aldeia pequenina
E nesta quinta vista do céu!»
E enquanto o avô Manuel cantava e todos animava, a avó Margarida preparava o jantar carinhosamente. Como era bom ter os netos ali em casa e a família toda reunida, na noite de Natal, com a chegada dos tios e primos que vinham da França à terra por esta altura. Como era bom ouvir os risos daquelas crianças ecoados por toda a quinta. Como eram bons os abraços e carinhos trocados entre todos.
Os avós Manuel e Margarida eram o rosto da sabedoria, um rosto marcado pelas rugas do tempo e queimado pelo Sol que os via lavrar a terra, anos e anos a fio.
Ali, na quinta dos avós, tudo se conjugava na perfeição. E quando todos se juntavam, o tempo parecia parar para registar todas as memórias.
Ali, na aldeia abraçada pela serra, havia tempo para tudo, para aprender e ensinar, mas sobretudo para aprender a amar. Aprender a amar a Terra e a valorizar tudo o que a Natureza nos dá.


2 comentários:

  1. Esta história está maravilhosa. Criativa, bem escrita, encantadora...
    Estão todos de parabéns!!
    Estamos ansiosos por ver o resultado final..

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